Happy New Year!

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Cheira-me que está aí alguém.... então, não cumprimentas?

domingo, 6 de janeiro de 2008

A Matilde está de volta, mas antes um excerto da Missão Táxi ....


Missão Táxi” in Taxicidade
Uma mulher ambiciosa que sabe usar as oportunidades a seu belo proveito. Um taxista apaixonado com horror a poesia. Um fidalgo excêntrico e de bom coração membro da policia espacial, consultor das políticas interplanetárias, mandatário dos Serviços de Ordenamento da Via Láctea e Assuntos Externos e demais títulos. Um retrovisor curioso, eis a “Missão Táxi” in Taxicidade.


" (...)
- Que estória triste a tua. Estou impressionado, sofreste tanto. Mas agora ninguém te fará mal, eu estou aqui para te proteger.
O sorriso trocista de Carla reflectiu-se em mim. Suspirou.
- Agora sim, estou salva das atrocidades do mundo. Não há Adamastor que me assuste.
- Esse era teu cliente?
- Quem? O Adamastor? Era, era um cliente muito antigo que eu tinha, que me fez passar o Cabo das Tormentas.
- Quando ele for ter contigo de novo, dá-lhe o meu número de telemóvel. Diz-lhe que eu quero-lhe falar com urgência.
- Amor, acho que não vai ser possível, ele foi ao encontro do Vasco da Gama e ainda não voltou da viagem.
- E quem é esse, também?
- O Vasco da Gama? É outro cliente.
- Tu estás bem servida, tantos gajos.
- Já Luiz Vaz de Camões os cantava.
- Ai! Brincalhona! Esse não é cliente, que eu sei. Afirma o taxista com ar sapiente.
Penso que Carla, por vezes, só não desesperava porque lhe daria muito trabalho. Descomedido, para aquilo que António valia. Mesmo assim, experimentava por um lado mais pedagógico.
- António, o Adamastor é uma figura mitológica, que simboliza a força da natureza como obstáculo à vontade do homem. Entendes?
- Como queres tu que entenda essas coisas que dizes…. Eu nem sei do que estás a falar!!! Que o Adamastor era uma figura micro….qualquer coisa…microscópica? Então era pequenino? Se é pequenino porque têm, assim, tanto medo dele?
Sempre que se tenta explicar algum significado a esta criatura; as perguntas ridículas e completamente despropositadas são em chorrilho. O que deixa qualquer pessoa desmotivada para um esclarecimento extra.
- Não, não. Ouve bem, vou explicar-te pormenorizadamente: O Adamastor aparece num poema épico de Camões, um escritor português. Até agora tens dúvidas?
- Não, até agora percebi tudo.
- Essa personagem simboliza um gigante, uma espécie de obstáculo para intimidar os navegadores portugueses a não irem mais além. O poema que te falo, narra as conquistas dos homens do mar que tentavam navegar por trajectos nunca antes descobertos. O Adamastor é um gigante que se forma de uma nuvem, para amedrontar os audazes que lutam contra a força da natureza, o mar. Isto é tudo metafórico. Entendes? Ora conta lá por palavras tuas.
Eu, um simples retrovisor, tinha compreendido perfeitamente. Mas…o riso, esse, já não continha há largos minutos. Se a minha gargalhada fosse audível aos humanos seria um trovão em plena tempestade, se o meu sorriso fosse luz seria um clarão que iluminava a cidade. A expressão de António era, contudo, indescritível: um misto de espanto e de assombro, parecia que o gigante Adamastor lhe tinha surgido em carne e osso no auge da fúria.
- Sim…eu entendo…portantos, o gigante Adamastor apareceu montado numa nuvem aos marinheiros que andavam à procura do caminho porque o mar estava bravo. O gigante quer meter medo aos marujos, mas é tudo mentira…é bluff, invenção do tal, … Camões. É assim, não é?
Carla está rendida. Nem ela, familiarizada às invenções engenhosas que a sua actividade profissional a obriga, teria se lembrado desta versão tão carinhosa do Adamastor, um autêntico boneco de peluche num formato mais erudito. Habituada a grandes combates, decidiu tentar intelectualizar, mais uma vez, António.
- Que bluff? Tu não vês que estas narrações são fictícias. Isto é poesia, criação, criatividade! Faz parte de uma obra literária, é um universo fantasioso, único, de uma obra de arte. Consegues perceber a profundidade disto, António? Dizia em tom declamatório.
- Meu bem! Eu não te quero arreliar, mas eu sou mesmo bom no volante. Essas coisas que me falas são bonitas, gosto de ouvir, mas não percebo.
- António! Isto é fantasia, cada cabeça pode inventar uma estória, múltiplas personagens; cada personagem tem um carácter, uma fisionomia, tem uma vida que se vai multiplicando em contactos, esses conhecimentos também têm vida própria e amigos, e assim, vai crescendo uma obra que se transforma em numa “cidade imaginada”. Todo o livro contém elementos fantasistas criados pelo seu autor. Entendes?
-Entendo, docinho. Entendo que cada estória é inventada por um escritor. Como fez o Luiz Camões que inventou tudo porque, se calhar, estava chateado com a vida. E depois, decidiu prejudicar a quem, anda lá na lida do mar. Estes artistas não são de confiança. Põem - se com brincadeiras dessas, depois ficam sem um olho, tomara…
O meu riso continua convulsivo, como acontece com aqueles actores que quando sobem ao palco, ainda sem dizer nada, arrancam à plateia gargalhadas. António para mim é assim: Aparece constantemente com aquele ar apalermado, de cabelo desalinhado, olhos curiosos, com um sorriso plástico. É impossível de resistir.
Carla não perde a pose, perante as constantes demonstrações de sabedoria de António. E continua, na sua solitária marcha rumo à instrução de uma mente simbólica.
E explica, já no limite da paciência:
- Por isso, vou recapitular: Ninguém se perdeu no mar, e muito menos apareceu um gigante montado numa nuvem. Entende de uma vez por todas, Luiz Vaz de Camões é um escritor quinhentista, que descreve, entre outros, a epopeia dos descobrimentos Portugueses. Na altura, Portugal desenvolvia a expansão através da conquista de novas terras, era pelo mar que os homens rumavam ao desconhecido nas suas embarcações. Eram destemidos marinheiros que partiam na busca de riqueza e matéria-prima. As especiarias, o ouro, a prata, o café, entre outros, foram produtos que originaram um movimento intenso de trocas comerciais nos portos marítimos Portugueses. Eu nem vou pedir, para repetires o que eu disse, porque com certeza teria algum ataque de cólera. Mas compreendeste o que eu falei?
- Claro que compreendi. Tu explicas tão bem. Queres que repita?
- Será preferível não arriscar. Prodigioso como és, tenho horror do que possa suceder ao teu cérebro, com tanta informação a ser canalizada de forma errada….algo iria estoirar, com certeza.(...)

1 comentário:

Anónimo disse...

ler todo o blog, muito bom