Happy New Year!

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Cheira-me que está aí alguém.... então, não cumprimentas?

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A alma do tio Francisco


- Eu gostaria de ter conhecido ainda no tempo do tio, exprimo eu animada.
- Nesse tempo sim, valia a pena conhecer. Agora…nada há fazer, tudo mudou.


“ Em frente de dois frondosos obeliscos em granito de forma piramidal assentes em quatro esferas, no cimo repousa o símbolo heráldico da família, o castelo.

A entrada anuncia-se. Ciprestes, Acácias Mimosa percorrem as bermas da alameda em terra batida até chegar ao imponente portão em ferro forjado. Ao fundo da avenida abre-se num largo ladeado por um muro em pedra com remate em forma de corda e cercadura ondulada. Em cada ponto do muro, nasce um pequeno castelo de quatro faces, onde graceja um desenho de uma porta e duas janelas em cada lado.
O portão é ladeado por duas sereias em pedra e encimado por uma coroa. Um espaço aberto sorri, com um lago e um canteiro arredondado, onde um salgueiro-chorão com ar tristonho convida para nos acomodarmos à sua sombra e uma palmeira ergue-se para o céu com postura imperialista. Brotam esculturas com motivos florais espanhadas pelos canteiros, como algo que nasceu e ali se criou.

Do lado esquerdo encostado ao muro ergue-se a casa. Ao cimo, do mesmo lado, a torre, a dita torre ilumina-se. A minha imaginação trabalha para tentar adivinhar o que lá se passará.
No desenho original existiam quatro torres, em forma quadrangular, uma em cada canto do edifício, o projecto não se concretizou.
A pequena capela enchia-se, onde as gentes dos arrabaldes assistiam à missa ao domingo. Os portões abriam-se e era vê-los chegar: velhos e novos, avós e netos, maridos e mulheres nas suas melhores vestes. As viúvas chorosas de lenço preto na cabeça, cabisbaixas com o terço na mão. O pároco almoçava sempre na quinta aos dias santos para não fazer desfeita ao D. Francisco, dizia.
A casa constituída de rés-do-chão, primeiro e segundo andar. As janelas em fileira emparceiradas com varandim para a entrada. As linhas rectas debruam todo o edifício que traduz uma enorme simplicidade. Foi Nasoni que a desenhou, assim como, a arquitectura decorativa dos jardins: cada traçado foi concebido metodicamente, para preencher um espaço. Um antepassado nosso foi padrinho do primogénito de Nicolau Nasoni com a primeira mulher, Isabel Castriotto Rixaral, que morreu nova, talvez de parto. O filho foi baptizado com o nome de José. A família confiou ao arquitecto o projecto da casa e dos jardins.
Um pequeno muro separa o terreiro de entrada do restante jardim onde o labirinto em bucho se esconde por trás da casa. Arbustos, árvores de fruto, estatuetas de formas humanas, canteiros floridos espalham - se pelo amplo espaço que vai até à área agrícola. A quinta tem nascente de água que corre à fartura pelos campos, os regos lavrados pelos homens ajudam a irrigar as culturas. Em altura de sementeira, homens e mulheres protegidos do sol que queima, com enxada na mão cavam, enquanto outra fileira deles lança a semente à terra. Entoam canções populares e as mulheres esganiçadas tomam balanço com o tronco, levam a mão ao cesto onde repousa a semente e agitam-se para terra que tem fome.
Há hora das refeições destapam a marmita para dar sustento ao corpo. São elas que preparam o estaminé, onde todos se abancam, comem e saciam sede.

Depois volta-se à labuta do dia. Quando o calor aperta na hora do sol a pique, os trabalhadores do campo descansam à sombra, para depois regressar à ceifa pela fresca até o sol se pôr. E no fim, lá vão embora para voltar amanhã.
O tio, na altura, já tinha perdido a mulher e o filho. Recuperava da dor que nunca curou, a morte do seu único descendente. Era habitual ficar a contemplar os camponeses no seu trabalho diário. D. Francisco sempre foi um pensador, circunspecto, introvertido, de poucas falas com terceiros, mas cortês e afável com os humildes. Afiançava que se identificava com eles. E tinha mesmo uma cumplicidade verdadeira.
Atravessando os campos agrícolas, mesmo no limite deparasse com casas rurais, as habitações humildes dos caseiros. Construções em pedra de dois andares, em baixo a adega, as cortes dos animais de quinta, em cima a morada dos caseiros.
Chegamos à mata densa onde repousam Pinheiros e Eucaliptos centenários. O tio nos dias mais quentes, ia dar as suas caminhadas na mata por ser mais fresco e o ambiente nostálgico ajuda a concentrar a mente, o pensamento aproxima-se da verdade, defendia sempre.
Ao fundo do bosque surge um castelo de forma arredondada, fazendo lembrar algo semelhante com as "Mil e Uma Noites". Um cenário de mistério esconde aquela torre por detrás do arvoredo, é curioso como aquela zona tem sempre alguma neblina.
Ali fizeram-se filmes por volta de 1920. A quinta já não nos pertencia. [...]

Aquele bosque - relembra a avó -. Traz lembranças, vai ao baú das memórias de qualquer criança. As árvores gigantescas têm braços medonhos que ameaçam com o baloiçar quando do vento sopra. Os cedros em forma de saco assemelham-se a fantasmas hirtos, ondulantes, algo fantasmagórico emerge daquele cenário.
Quando o céu estava cinzento e ameaçava trovoada a paisagem era fantasticamente arrepiante, sinistra e assombrosa. O tio deixou escrito no seu diário: “em noite de trovoada ou lua cheia, a copa das árvores da mata desenham um horizonte incerto, uma linha escura, assustadora, como se o mundo acabasse ali. Nas noites em que os trovões relampejam sem cessar, observa-se um dos espectáculos mais bonitos que a natureza nos oferece”.

D. Francisco era uma figura interessante, curiosa na sua forma de estar e pensar.
O quadro que vi com o seu retrato, ele teria aproximadamente os seus 60 e tal anos, recorda a avó. Tinha um aspecto fisicamente frágil, adoentado até. O cabelo bastante curto, mas também ralo e com uma entradas pronunciadas junto às fontes. Usava pêra e bigode de tonalidade cinzenta clara, quase branca. O rosto era muito afilado, prenunciando exageradamente as saliências das maças da face, testa alta, orelhas pequenas, sobrancelhas bem alinhadas pretas, olhos com uma expressão mortiça, nariz enquadrado, uma boca de lábios finos que o bigode, apesar de aparado, esconde.
Embora magro conseguia ser bem proporcionado. O que sobressaía, provavelmente pelo corpo esguio, era a altura. O tio era um homem alto. De mãos finas, dedos longos e ossudos. Os pés salientavam-se pelo comprimento.
Discreto na forma de vestir, primava sempre pelos tons escuros: cinzento e preto e o seu inseparável chapéu.
Possuía um andar vagaroso e mudo. Apanhava sempre conversas inconvenientes. Adorava gatos, tinha sempre um ao colo. "Sou matreiro como eles", gracejava o tio com sorriso tímido.
De temperamento tranquilo, a sua atitude era pacífica: fingia não ouvir. Quando a sua presença passava despercebido, retirava-se silenciosamente conforme tinha entrado, sem ninguém dar por isso. Não discutia, se algo lhe desagradava ou um amigo o traía. Afastava-se, para constranger a pessoa que tinha errado. Esperava sempre pelo momento em que lhe era perguntado o porquê, ai dizia tudo o que pensava no mesmo tom de voz: baixo, pausado, com uma dicção perfeita.
Viveu como morreu, de um modo simples. Optou por exéquias fúnebres discretas, era meticuloso, deixou tudo estava descrito em testamento.
“ (…) E quero que se cumpra, que o meu corpo seja conduzido directamente d´onde morrer para a capella do cemitério de Agramonte, onde tenho o meu jazigo, em carro puchado por uma parelha e acompanhado por quatro homens com archotes. Prohibo terminantemente que se façam convites e se noticie por qualquer forma o meu fallecimento, porque não quero a assistir ao meu enterro senão o capelão do cemitério, que reza os responsos. (…)”

4 comentários:

Anónimo disse...

I like it.

Anónimo disse...

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Elsa Semedo disse...

You don´t understand anything. You don´t know one word of Portuguese.How do you like?

Anónimo disse...

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