Happy New Year!

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Cheira-me que está aí alguém.... então, não cumprimentas?

quarta-feira, 5 de março de 2008

A carta anónima



“Francisco, morreu legando tudo à Santa Casa, em testamento datado e assinado pelo seu próprio punho.
Uma das condições está descrita no artigo Duodécimo (Décimo Segundo) deste testamento, e não está a ser cumprida. Recordo que a senhorita é herdeira legítima destes bens. Essa alínea impõe à misericórdia encargos e obrigações vitalícias, que em caso de falta ou falha, a herança será distribuída em iguais partes pelos herdeiros referidos e mencionados no testamento.
O lar que funcionava na casa da foi desactivado há alguns anos. De lá para cá, a casa tem sido exposta a vândalos, roubos e sujeita a um rasto de destruição (em anexo vão fotografias do seu estado actual). Foram colocados na quinta cães de guarda, que não evitam a degradação da casa e a perca de património cultural que é de todos.
A Misericórdia tem por obrigação zelar pelos bens que lhe foram doados e confiados. Mas não o está a fazer. Tem tido uma atitude negligente, facilitadora, que justifica com o impasse de o projecto de recuperação estar retido nos meandros da Câmara Municipal para aprovação. Conflitos à parte, o dever mantém-se. E o imóvel é sujeito à intempérie e à degradação perdendo para sempre bens irrecuperáveis.
Senhorita Matilde, há muito por descobrir. Acredite, neste anónimo que lhe escreve. Não me identifico, porque pertenço aos quadros de uma instituição, que mantém contactos com alguém influente, para uma futura negociação que irá transformar, se nada fizer, aquele espaço num empreendimento de luxo, pago a peso de ouro.
É verdade também, que o actual PDM (Plano Director Municipal) o impede, destinando o local a espaço verde. Mas isso é rapidamente sanado, acredite. Nada mais posso fazer do que avisá-la.
Apesar de revoltado, encontro-me engalfinhado nesta máquina, bem oleada, que me acorrenta de pés e mãos. A quem muitos a apelidam de sistema. Esta coisa, que apesar de vivermos em plena liberdade de expressão, estamos amarrados a ela, mesmo contrariados, porque as represálias pela “liberdade” seriam funestas.
Compreende o que quero dizer: todos temos família para sustentar, contas para pagar, filhos a quem queremos dar uma vida melhor, as nossas limitações.
Sei que achará estranha esta carta só com remetente, e até porá em causa a sua veracidade. Eu sei que perguntará, quem é este? O que me quererá?
Sei também, que ponderará a sua vinda para Portugal porque saiu daqui demasiado desiludida para voltar tão rapidamente.
Eu não sou um louco que decidiu investigar a vida alheia. Sou antes, um ser que acredita que ainda é possível mudar o curso das situações, mesmo quando parecem inevitáveis.
Sei igualmente, que será um transtorno para a sua vida deixar Viena e o Architekturzentrum Wien onde trabalha, mesmo que seja temporariamente. É uma mudança brusca demais, quando se tem só uma carta e um testamento como argumento.
Eu confesso que investiguei tudo, e tenho em meu poder uma cópia da prova de que é a legitima herdeira de D. Francisco.
Irá ter uma surpresa, como eu tive. Há muito por desvendar.
Poderia ter-lhe enviado toda a documentação, mas, com certeza, iria querer confirmar pelos seus próprios meios. De qualquer forma, a pesquisa iria ser realizada. Assim, decidi remeter-lhe unicamente as pontas desta enorme meada para que, por si, as desenlaçasse.
Acabo esta carta, já longa, na esperança que não a ignore.
Junto envio-lhe o testamento, com o parágrafo devidamente assinalado referente às obrigações que o seu tio-bisavó, chamemos assim, impunha à herdeira –, que não estão a ser cumpridas, e ainda, fotografias comprovando o estado actual da casa da Quinta em plena degradação.
Dentro do volumoso envelope, há uma pequena carta lacrada, que só deve ser aberta, só e unicamente, no caso de decidir pela sua vinda a Portugal. E peço-lhe que só o faça em território nacional.
Permita – me um conselho, senhorita Matilde, não conte a ninguém o seu propósito, pode correr riscos. Investigue sem levantar alaridos ou ruído desnecessário, quando reunir provas incriminatórias, não procure ninguém, não aclame por justiça perante os infractores. Eles são surdos aos direitos alheios e só olham para os interesses próprios. Apenas rume ao lugar certo, e surpreenda-os querendo a justiça que lhe é devida.
Desejo-lhe coragem e perseverança. Eu vou estando atento. Quando começar a mexer no que não convém, onde trabalho haverá alarido, saberei que estará por perto.
Despeço-me cordialmente,
O desconhecido.”

1 comentário:

Anónimo disse...

Não me lembro de nenhum comentário original.
Mas gosto de ler todo o que tu escreves. E olha que eu leio muito.
Estou ansiosa por ver o teu novo projecto.

Beijos